15 julho 2009

[Crítica] Harry Potter e o Enigma do Príncipe

MondoGuerra estava lá, de ingresso na mão e namorada ao lado, numa fila com mais de 200 pessoas, todas igualmente ansiosas para a estreia do sexto filme de Harry Potter. Quando as portas do shopping Mueller se fecharam, às 22h, e o condicionador de ar foi desligado começou o tormento enfadonho das duas horas de espera. As filas das duas sessões - legendado às 0h01 e dublado às 0h10 - convergiam na única e frágil catraca que separava os fãs das largas e confortáveis poltronas do cinema.

Perto da meia-noite o primeiro ingresso é carimbado. Começa um balé de passos lentos, uma procissão nervosa e excitada rumo ao escuro santuário mágico onde a realidade é dispensável. A espera cada vez maior uniu os corações de toda a sala num pulsar latente, rítmico, impaciente. Cocas e pipocas, casacos, malhos e chaves de carros, garotas, meninos e homens cheirando a cigarro; enquanto os flashes cegavam a uns, outros mantinham os olhos focados nos livros, tentando vencer os últimos mistérios antes da grande sessão começar.

As luzes se apagaram de repente, cobrindo a sala com sua deliciosa e esperada escuridão, enquanto ouvidos afogavam-se num mar de gritos eufóricos, abafando trilha sonora e pedidos de silêncio. Os trailers que antecedem o espetáculo fizeram bem seu papel de afastar os pensamentos corriqueiros, deixando espaço apenas para o que estava por vir.

***

Harry Potter e o Enigma do Príncipe foi a carta que Rowling manteve na manga por seis anos. A virada espetacular, que faria toda a história de até então ir pelo ralo. Foram cinco livros pra construir um mundo inteiro, imaginário repleto de conhecimento, história de vitórias e derrotas, medo e segredos. Tudo que aprendemos a amar e desejar é posto em xeque no final do Cálice, na simbólica morte de Cedrico pelas mãos do reencarnado Voldemort. Não havendo alternativa, foi preciso um livro inteiro para tentar explicar a situação. É na Ordem que entendemos a profundidade da cicatriz que Harry carrega, enquanto exércitos invisíveis são convocados e mistérios do passado são trazidos à tona. Se a morte de Cedrico não foi o bastante, agora Rowling mata a própria Hogwarts, tirando Alvo da cena principal e condenando Harry ao papel de miserável mentiroso. E quando percebemos a gravidade da situação, outra personagem é-nos arrancada, tão abruptamente quanto as duas linhas que descrevem o fato.

Com a vida destroçada, Potter terá um sexto ano relativamente tranquilo. Sua proximidade com o diretor aumenta conforme esse compartilha seus conhecimentos sobre Tom Riddle. As visitas às memórias do velho alternam-se com as investidas sobre o professor Slughorn, a obsessão pelo Príncipe Mestiço e as espionagens ao paradeiro de Draco. O romance entre Rony e Hermione vem à tona, enquanto Harry se aproxima de Gina. Isso tudo ao decorrer de um ano, ao longo do qual a tensão cresce lentamente, borbulhando num caldeirão de medo, tensão e desconfiança. No final desse ano Rowling alcança o ponto máximo de seu romance, o clímax iniciado dois livros antes, com o retorno de Voldemort. Depois de uma invasão devastadora em Hogwarts, depois de uma luta incansável entre Comensais e Ordeiros, chegamos à cena onde Harry presencia paralisado o assassinato de Dumbledore. Pela varinha de Snape, seu até então aliado. E assim o mundo acaba, criando o maior gancho já visto, apontando diretamente para o sétimo e último livro. Esse, pelo menos, é o livro.

***

Enigma começa exatamente onde a Ordem deveria ter acabado. O hall do Ministério da Magia completamente destruído pela recente batalha travada entre Dumbledore e Lorde Voldemort. A partir daí acompanhamos um ano muito normal para Potter. Em uma viagem ao lado de Alvo, Harry conhece o professor Slughorn, do qual se aproximará posteriormente para descobrir um segredo. A existência do centauro Firenze é descartada, assim como a maioria das aulas - mesmo as de Defesa contra as Artes das Trevas, a cargo de Snape. Acompanhamos apenas as aulas de Poções, vital para o desenrolar da trama. A primeira metade do longa consiste em ambientar Harry, Rony e Hermione na puberdade. Os vários namorados de Gina resumem-se em Dino, a fama repentina de Rony o submerge num mundo de fãs apaixonadas, o ciúme quase descontrola Hermione ao ver Weasley com outra menina, e a solitária angústia de Harry que não aguenta ver Gina com outro. Essa energia adolescente é fortemente enraizada no cotidiano e permeada de ironia e humor, o que rende muitas e frequentes risadas. Da metade em diante o filme foge ao controle do tempo, que voa sem avisar. Quando percebemos, já estamos vendo o corpo inerte de Dumbledore.

A adaptação de Enigma é no mínimo intrigante. Encontramos quase todas as cenas fundamentais, com excessão de coisa ou outra. Mas o estranho foi a forma como tudo foi narrado. Excluir Firenze e as aulas em geral da história chega a ser um recurso válido para ganhar tempo. Tempo esse que poderia, sim, ter sido melhor usado. Mas o que pode ser chamado de problema está nas cenas que foram alteradas de alguma forma. Na primeira metade vê-se muito disso. Diálogos que não existem, cenas inventadas. Mas foi uma questão em particular que me irritou. A cena da batalha de Hogwarts, quando Comensais invadem o castelo pela Sala Precisa, ficou muito alterada. Na verdade, ficou tão modificada que não há batalha at all. Belatriz anda tranquila pelos enormes salões, destruindo tudo que consegue, enquanto Minerva, Flitwick, Trelawney e Hagrid estão sabe-se lá onde. É importante entender que a cena é toda igual ao livro, com o detalhe de não haver briga alguma. Harry ainda persegue Snape, ainda usa Sectumsempra nele, ainda erra e é derrubado, e ainda descobre que Snape é o Príncipe Mestiço. Mas não há explosões, raios, fogos de artifício. E essa era a cena que Yates poderia abusar dos efeitos, gastar dinheiro, criar o momento alto do filme, afinal merecia!

Enigma é, entretanto, um delicioso filme. Como adaptação, sofreu cortes questionáveis - o funeral de Dumbledore daria uma cena magnífica, com direito à lágrimas -, mas ainda assim teve seus momentos - o Voto Perpétuo é um deles. As atuações estão fantásticas, com destaque para Bonham Carter e sua odiável Belatriz. O garoto Frank Dillane, que interpretou o sagaz Tom Riddle aos 16 anos, também merece nota por seu olhar ardiloso, digno de Voldemort. No entanto, não há como negar que muitos personagens ficaram apagados, se não excluídos da película.

Yates fez um filme melhor que sua adaptação anterior, um filme que é gostoso, divertido e sem dúvida alguma emocionante, que pode ser visto por qualquer público. Esse, talvez, tenha sido o maior acerto do diretor. Ossos do ofício. Esperemos, apenas, que os próximos sejam melhores do que esse.


0 E você, o que tem a dizer?: